Método

O modelo teórico é desenvolvido com base em informações obtidas da literatura técnica e científica e entrevistas realisadas com pesquisadores que atuam no tema da (Figura 1). Porém, o desenvolvimento desse modelo teórico também é fortemente afetado pelas minhas experiências pessoais, como exposição à noticias, discussões diversas sobre o tema, e reflexões e indagações pessoais. Portanto, o conteúdo gerado nessa parte da pesquisa não pode ser considerado como produto de um método sistemático e reproduzível. Porém, o desenvolvimento do modelo teórico segue uma maneira de se refletir sobre um fenômeno, se inspira em certas proposições metodológicas, e se baseia parcialmente, em uma sistematização de informações.

flowchart TD
    A[Entrevista] --> B[Dados]
    C[Questões] --> D[Consulta da Literatura]
    D --> E[Dados]
    B --> F[Modelo Teórico]
    A --> F
    D --> F
    F --> C
    E --> F
    F --> A

Figura 1: Fluxo geral do processo de desenvolvimento do modelo teórico.

A maneira de se refletir sobre um fenômeno, adotada nesse trabalho, é baseada na idéia de retrodução do Realismo Crítico. A retrodução pode ser definida como uma atividade de imaginação em que pensamos nos mecanismos generativos que, se de fato forem reais, irão causar um fenômeno quando tais mecanismos forem manifestados (Bhaskar 2016, 3). A prática da retrodução implica em um exercício de imaginação que tenta transitar entre os domínios ontológicos do Realismo Crítico, o domínio do empírico, o domínio do atual e o domínio do real (Akram 2023, 53–54). Uma ilustração geral e superficial do exercício de retrodução feita nessa pesquisa pode ser feita da seguinte forma: em um cenário hipotético, acredita-se que os A e B sejam causadores da ; a partir disso, nos questionamos quais seriam as condições necessárias para que essa relação de A com a se manifeste; essas condições são traduzidas como o mecanismo generativo proposto; por consequência, nos questionamos se tal mecanismo generativo consegue explicar a relação de causa de B sobre a . Esse exercício é repetido em qualquer ordem, e a medida que esse processo se sucede, lacunas do mecanismo generativo podem ser identificadas e retificadas, assim como inconsistências podem ser eliminadas, se possível.

O desenvolvimento do modelo teórico também incorpora algumas idéias do método da Teoria Fundamentada (Glaser e Strauss 1968), e mais especificamente desse método baseado no Realismo Crítico, como proposto por Oliver (2011) e Hoddy (2018). Nesse projeto, a condução de entrevistas e consultas da literatura são sistematizadas em forma de dados qualitativos estruturados, contendo as idéias centrais obtidas a partir desses materiais. Essa sistematização de dados é feita de maneira concomitante com o desenvolvimento do modelo teórico.

O processo de sistematização de informação, na forma de dados qualitativos estruturados em tabela, é baseado nas entrevistas e nas consultas à literatura. As entrevistas são feitas de modo a especular sobre possíveis causas da , de maneira semelhante ao processo de retrodução ilustrado anteriormente. A partir das indagações feitas durante as entrevistas, são desenvolvidas questões que servem de base para buscas na literatura, que por sua vez fornecem mais informações sobre o fenômeno em questão, a .

Os dados, coletados a partir das entrevistas e consultas à literatura, contém as seguintes informações: identificação da fonte da informação (de forma anônima no caso das entrevistas); os identificados como relacionados a ; a descrição da relação entre os com a .

O processo de desenvolvimento do modelo teórico não apresenta um ponto final determinado. O modelo teórico pode ser modificado caso haja a descoberta de novos conhecimentos que desafiem a lógica do modelo. Porém, nesse projeto, a etapa de desenvolvimento do modelo teórico é interrompida quando novas informações obtidas não contribuam mais com a descrição ou modificação do modelo teórico.

O modelo teórico é baseado em conceitos do Realismo Crítico, sendo formado sobre especulações da existência de certos , e da existência de interações entre eles, formando um da . O modelo teórico, e seu , se situam na camada social da realidade, de acordo com a estratificação da realidade proposta pelo Realismo Crítico.

Entrevistas

As entrevistas conduzidas nesse projeto, tem o objetivo de obter informações sobre os fatores que afetam a ocorrência da . Essas informações servem de base para o desenvolvimento do modelo teórico da .

O método utilizado é de entrevistas semi-estruturadas. O roteiro das entrevistas é baseado em sugestões propostas por Bearman (2019), em que são priorizadas questões abertas, que incentivam descrições ricas nas respostas dos participantes. Também foram incorporados elementos da metodologia de entrevistas Centradas em Problemas (PCI) (Witzel e Reiter 2012), em que as entrevistas contém uma estrutura definida e centrada no fenômeno de interesse, mas que apresenta uma flexibilidade para incentivar respostas abertas e profundas (Döringer 2020).

O público alvo para participar nas entrevistas são profissionais, de diferentes áreas, atuantes no tema da . A seleção de candidatos é feita com a identificação de membros de organizações relevantes em relação a SVN, como órgãos públicos, ONGs e associações privadas, em que um membro representativo dessas organizações será selecionado como candidato. As seleção das organizações e seus membros prioriza a máxima variação de perfil dos candidatos (Palinkas et al. 2013), levando em consideração o bioma em que o participante é atuante, e o tipo de organização em que o mesmo participa.

As entrevistas são realizadas a distância, através de vídeo chamadas. Esse meio de entrevista tem sido frequentemente adotado em pesquisas qualitativas, e apesar de apresentarem desvantagens, como falhas técnicas durante as entrevistas, não há evidências claras de que os dados coletados apresentem menor riqueza de informações, em comparação com entrevistas presenciais (Thunberg e Arnell 2021). Além disso, o acesso a participantes é mais amplo, devido a falta de necessidade de deslocamento.

O roteiro das entrevistas pode ser dividido em três partes (Tabela 1). A parte introdutória da entrevista contém uma exposição sobre o tema e objetivos dessa pesquisa, assim como a motivação para a realização das entrevistas. A parte de desenvolvimento da entrevista contém perguntas inciais que estimulam a criação de uma narrativa por parte dos entrevistados, seguidas por perguntas mais específicas sobre o fenômeno em questão (Witzel e Reiter 2012). Por fim, a conclusão dá a oportunidade aos entrevistados de elaborar reflexões sobre o tema (Bearman 2019).

Tabela 1: Roteiro de entrevistas adotado.
Introdução
Introdução à pesquisa e ao entrevistador
Clarificação dos objetivos da pesquisa
Clarificação da motivação das entrevistas
Checagem de consentimento e do tempo disponível para a entrevista
Desenvolvimento
Contextualização de experiências prévias do participante com o tema da SVN
- Quais foram suas experiências mais importantes dentro do tema da SVN?
- Quais foram as regiões que você desenvolveu projetos dentro do tema da SVN?
Identificação de objetos que causam a SVN
- Qual é a sua perspectiva sobre a importância da SVN, em relação a sustentabilidade e desenvolvimento?
- De acordo com sua experiência, quais são os fatores mais importantes que causam a SVN?
Identificação das relações entre os objetos e a SVN
- Quais são as condições necessárias para que tal objeto tenha um impacto importante na SVN?
- Quais são os grupos de pessoas que participam desse objeto? E como elas acabam afetando a SVN?
Conclusão
Reflexões sobre a SVN
- Você acredita na possibilidade de que a SVN seja suprimida a ponto de não ser um problema socioambiental?
- Na sua opinião, existem condições em que a SVN é justificável apesar de seus impactos?
Oportunidade para o entrevistado realizar comentários abertos
Encerramento da entrevista

Cada entrevista irá fornecer informações que servem de conteúdo para a geração de uma tabela de dados. Nessa tabela, são identificados os associados com a , e são descritas as condições necessárias para que essa associação ocorra.

Tabela 2: Ilustração da tabela de dados gerada com base nas informações obtidas através das entrevistas.
id participante objeto condição
1 Entrevistado 1 Objeto A Condições X, Y e Z
2 Entrevistado 1 Objeto B Condições W e K
3 Entrevistado 2 Objeto A Condições P e I

Consultas à Literatura

Assim como as entrevistas, a consulta à literatura tem o objetivo de obter informações sobre os fatores que afetam a ocorrência da , servindo de base para o desenvolvimento do modelo teórico.

A literatura consultada é de natureza diversa, podem ser artigos publicados em periódicos científicos, livros, documentos técnicos, dissertações e teses, reportagens, documentários e outros materiais audiovisuais, não sendo limitadas entre essas citadas. O motivo para essa abrangência é a de ter amplo acesso a documentos diversos sobre qualquer conteúdo relacionado à .

A busca por tais documentos é feita através das ferramentas de busca da Google e Google Scholar. O processo de buscas se caracteriza como uma revisão crítica (Grant e Booth 2009), que tem como o objtivo a interpretação de documentos para a elaboração de um produto considerado como um ponto de partida para avaliação futura. Portanto, a revisão adotada não tem como o objetivo realizar inferências sobre o corpo dos documentos analisados, nem de testar hipóteses associadas à esses materiais. A forma das buscas é baseada em indagações feitas através de informações obtidas nas entrevistas e consultas à literatura anteriores. As buscas também são feitas com bases em citações encontradas em documentos consultados.

As informações obtidas através das consultas são sistematizadas em uma tabela. Isso tem o objetivo de facilitar comparações entre os conteúdos de diferentes fontes. Essa tabela contém informações semelhantes a Tabela 2, porém, com dados adicionais que permitem a identificação da origem do dado (Tabela 3).

Tabela 3: Ilustração da tabela de dados gerada com base nas informações obtidas através das consultas à literatura.
id doi autor titulo ano local objeto condição
1 https://doi.org/...1 Fulano Algo sobre algo 1968 Lá longe Objeto A Condições X, Y e Z
2 https://doi.org/...1 Fulano Algo sobre algo 1968 Lá longe Objeto B Condições W e K
3 https://doi.org/...2 Sicrano et al. Isto sobre aquilo 2001 Logo ali Objeto A Condições P e I

É importante reforçar que, o desenvolvimento do modelo teórico, não é baseado restritamente aos dados presentes nas tabelas 2 e 3. Isso proporciona uma maior liberdade para o processo de reflexão de desenvolvimento do modelo teórico, que também é afetado pelos métodos de análise adotados.

Além disso, a justificativa para a adoção de um processo flexível de consulta à literatura, se baseia na vantagem de proporcionar maior liberdade de pensamento, mas também na ausência de um motivo forte para a realização de um processo metódico. Por exemplo, caso o objetivo da consulta à literatura fosse identificar as causas da mais citadas na literatura científica, seria então aconselhável adotar um método de revisão sistemática. Esse não é o caso dessa pesquisa.

Referências

Akram, Sadiya. 2023. Bourdieu, Habitus and Field: A Critical Realist Approach. Palgrave Studies in Relational Sociology. Springer International Publishing. https://doi.org/10.1007/978-3-031-41846-4.
Bearman, Margaret. 2019. «Focus on Methodology: Eliciting rich data: A practical approach to writing semi-structured interview schedules». Focus on Health Professional Education: A Multi-Professional Journal 20 (3): 1. https://doi.org/10.11157/fohpe.v20i3.387.
Bhaskar, Roy. 2016. Enlightened common sense: The philosophy of critical realism.
Döringer, Stefanie. 2020. «“The problem-centred expert interview”. Combining qualitative interviewing approaches for investigating implicit expert knowledge». International Journal of Social Research Methodology 24 (3): 265–78. https://doi.org/10.1080/13645579.2020.1766777.
Glaser, B. G., e A. L Strauss. 1968. Time for Dying. Aldine.
Grant, Maria J., e Andrew Booth. 2009. «A typology of reviews: an analysis of 14 review types and associated methodologies». Health Information & Libraries Journal 26 (2): 91–108. https://doi.org/10.1111/j.1471-1842.2009.00848.x.
Hoddy, Eric T. 2018. «Critical realism in empirical research: employing techniques from grounded theory methodology». International Journal of Social Research Methodology 22 (1): 111–24. https://doi.org/10.1080/13645579.2018.1503400.
Oliver, C. 2011. «Critical Realist Grounded Theory: A New Approach for Social Work Research». British Journal of Social Work 42 (2): 371–87. https://doi.org/10.1093/bjsw/bcr064.
Palinkas, Lawrence A., Sarah M. Horwitz, Carla A. Green, Jennifer P. Wisdom, Naihua Duan, e Kimberly Hoagwood. 2013. «Purposeful Sampling for Qualitative Data Collection and Analysis in Mixed Method Implementation Research». Administration and Policy in Mental Health and Mental Health Services Research 42 (5): 533–44. https://doi.org/10.1007/s10488-013-0528-y.
Thunberg, Sara, e Linda Arnell. 2021. «Pioneering the use of technologies in qualitative research – A research review of the use of digital interviews». International Journal of Social Research Methodology 25 (6): 757–68. https://doi.org/10.1080/13645579.2021.1935565.
Witzel, Andreas, e Herwig Reiter. 2012. The problem-centred interview. Sage.